"Escrevo este texto enquanto faço a minha passeata diária no convés do navio em que estou embarcado, contando-vos assim o meu percurso até agora.
Estudar na Escola Superior Náutica foi algo que sempre quis, desde criança. Inicialmente devido à ligação que tinha com o mar, posteriormente pela quantidade de conhecimento teórico e pela experiência prática que adquiri e venho a adquirir todos os dias, bem como pela elevada remuneração e motivado pela alta taxa de empregabilidade.
Assim acabando o ensino secundário ingressei na ENIDH na Licenciatura em Engenharia de Máquinas Marítimas e fiz parte da Associação de Alunos da ENIDH, tendo chegado a ser presidente da mesma. Durante todo o meu percurso académico estudei e trabalhei ao mesmo tempo, não é fácil, é preciso ter motivação e perseverança, mas não o faria de outra forma, pois adquiri assim um elevado sentido de disciplina e gestão. Tendo acabado a licenciatura prontamente iniciei a procura pelo meu primeiro embarque, sendo que com a elevada taxa de empregabilidade muito facilmente o encontrei.
Mesmo certo de que estar embarcado seria uma aventura que não me deixaria muito tempo livre, ainda assim decidi também iniciar o Mestrado em Engenharia de Máquinas Marítimas, porque já que estou a lançar-me num desafio mais vale que seja a sério, sabendo que conhecimento nunca é em demasia, e deste modo ampliando o meu mar de oportunidades.
Para o meu primeiro embarque fiz as malas com tudo o que precisava, e muito mais coisas que não precisava, fui para o aeroporto e iniciei a viagem para o navio que se encontrava em África. Logo que aterrei fui levado para a base da empresa e segui numa lancha que me levou até ao navio que se encontrava fundeado ao largo da costa.
Considero ter tido um primeiro embarque diferente, não só era uma estreia para mim, mas também para a empresa, pois fui o primeiro praticante que contrataram.
Fui encaminhado à ponte para tratar de papelada e conhecer o comandante. Designaram-me um camarote e disseram-me para ir ter com a equipe de engenheiros que estariam na sala de controlo das máquinas, sala que demorei meia hora a encontrar.
Desde o primeiro momento em que embarquei no navio até agora sempre fui acolhido como parte da família.
Por padrão, temos horários fixos sendo que chegar a horas quer dizer chegar 15 minutos antes, de modo a ter tempo de receber o resumo do que se passou durante o turno anterior. Não existem desculpas para atrasos, vivemos onde trabalhamos, e por isso a meu ver os atrasos são inadmissíveis.
Ser oficial da marinha mercante é passar várias semanas ou mesmo meses a viver no trabalho, a viver com os colegas de trabalho e com os chefes, é uma rotina de pôr a vida de terra em pausa para vir para o mar, e depois por a vida do mar em pausa para ir para terra. Não é de todo mau, é simplesmente diferente, por norma um marítimo ao longo do ano passa metade do tempo no navio a trabalhar e a outra metade em terra de férias, sendo que com o alto salário auferido, por regra está-se sempre numa situação económica mais que confortável comparando com as profissões comuns em terra.
Os primeiros dias são os mais difíceis, é uma adaptação gradual. Foi no início que fiquei mais perdido dentro do navio sem saber onde é bombordo ou estibordo, ao mesmo tempo que estava concentrado para absorver o máximo de informação possível, a adaptar-me à rotina e procedimentos a bordo. É sem dúvida nas questões de segurança a bordo que fui mais pressionado nesse período, a segurança a bordo é crucial, um navio está isolado de ajuda externa, logo qualquer coisa que aconteça tem de ser resolvida abordo com os meios que estiverem disponíveis porque a ajuda exterior pode demorar até dias a chegar.
Ao longo da licenciatura alguns professores iam relacionando o que estávamos a estudar nos livros com o que eles tinham experienciado quando estiveram embarcados, admito que na altura grande parte dessas coisas não me faziam sentido, só depois de estar embarcado é que me vou lembrando do que esses professores contavam e só consigo pensar "é obvio que é assim" ou "realmente ele tinha razão".
Os estudos e os livros são as bases de todas as carreiras, mas consigo afirmar que simplesmente num dia o que aprendo por experiência a bordo se fosse possível daria para
escrever um livro, digo se fosse possível, porque a pratica não é algo que consiga ser transmitida por livros.
É no mar que iniciei o meu caminho profissional, numa aprendizagem contínua, é no mar que quero continuar e ter uma longa carreira, viajar por todo o mundo e conhecer novas tripulações, alargar a família do mar.
E é aqui que quero terminar, num agradecimento aos docentes e todos aqueles que glorificaram a ENIDH e a puseram no radar de tantos futuros Oficiais da Marinha Mercante transformando jovens sonhadores em corajosos profissionais.
Como eu sempre digo aos meus colegas "mar calmo nunca fez bom marinheiro", e só "depois da tempestade é que vem a bonança"."